A subjetividade docente em tempos de Crise de Autoridade
Marcelo Ricardo Pereira
O autor Marcelo Ricardo Pereira vem nos mostrar desde tempos medievais até os dias de hoje como têm se apresentado as relações no campo da (é a relação com a) educação. Neste sentido ele atenta para a condição da figura de autoridade na relação professor-aluno na contemporaneidade.
Marcelo Pereira pontua que “O advento da modernidade trouxe em sua valise a necessidade de educar as massas, de fazer valer o projeto antropocêntrico, liberal e burguês de garantir o processo civilizador ao máximo de pessoas possíveis” .
Com isso “(...) a partir do século XVI, as reformas religiosas, as idéias iluministas e as revoltas republicanas exerceram fundamental influência para a criação de ciências e profissões que disseminassem e levassem a cabo o projeto da mística modernizadora em contraste com os valores impingidos pelo antigo regime e pela ordem medieval”. O professor, neste caso foi encarregado de trazer a “boa nova”.
As escolas das cidades apareceram sob uma urgência do século XIX em criar um novo panorama social com ares republicanos e racionais. Contudo surge a educação barata que representa parte da solução desse problema. “Introduz-se, pois, uma maquinaria pedagógica com fins de normalização desse quadro novo e complexo. Através da escola viu-se a possibilidade de moldar cientificamente hábitos morais e produzir uma sociedade cada vez mais disciplinada e civilizada”.
Fundou-se assim a imagem do professor como moralmente imaculada e, igualmente, irresistível, cuja atração magnética transformaria os infantes das classes trabalhadoras e dos que se encontravam à margem da sociedade em sujeitos éticos dispostos a responder de maneira adequada à ordem vigente. Cabe lembrar que mais tarde foram esses infantes das classes trabalhadoras, que educaram seus filhos, a fim de torná-los novos mestres, e tal feição acabou por fazer do professor uma figura suspeita capaz de estabelecer uma utopia disciplinar e moral.
“Em outros termos: de um lado, a função professoral não diferencia o professor dos demais irmãos de uma sociedade republicana de iguais - iguais em sua condição de insuficientes, mortais e precários; do outro, o professor necessita descolar-se da massa fraterna, diferenciar-se dela e bancar-se imaculado, modelar e manter-se exemplo de grandeza para a imberbe geração que a ele se subordina.”
Acontece que a mística moderna parece errar a mão quando insiste em igualar ou apagar as diferença. O mundo republicano, o mundo dos supostamente iguais e livres nivela mestres e não-mestres, tomando-os como iguais. Tal fato os joga, de chofre, num declínio político da autoridade, ou “falta de autoridade” causa fundamental da crise educacional de nossos tempos.
Há de se reconhecer que, mesmo sob revés, a autoridade é tida como um pilar e um símbolo político-social da civilização que nos acolhe. Ela se encontra por si desgastada, e desafiada. Se as revoluções da época moderna, a exemplo da francesa, da inglesa, da norte-americana e, no Brasil, da conjuração mineira, significaram ou defenderam uma ruptura radical com os modos de vida que as antecederam, elas também não deixaram de ser gigantescas tentativas de reparação.
De um lado, elas propiciaram a efetivação na vida comum das idéias que emergiam à época: razão, direitos do homem, igualdade, liberdade, mobilidade social, república, fim da escravidão; por outro, elas buscaram renovar o fio rompido da tradição, restaurando tais instituições mediante a fundação de novos organismos políticos, mas assegurando que esses organismos mantivessem algo de divino.
Marcelo Ricardo Pereira vem propor por meio de seu texto, que o ato de ensinar deveria ser mais provisório do que absoluto (ou isto ou aquilo), mais contingente do que necessário, mais circunstancial do que planejado. ‘Aquele que ensina deve salvar nossa capacidade humana de pensar’, de produzir saberes, não tanto com base nas boas técnicas pedagógicas, que inflacionam mais frustrações do que conquistas, mas muito mais com base na sua experiência e arte de viver. São elas que restituem a memória, as escolhas, a lei e induzem aos desejos. A autoridade política do professor está não em se fazer como aquele que detém o saber categórico, o código inviolável de uma moral, mas como aquele que ativa o desejo de saber por também desejá-lo.
De outro modo, se o mestre se põe como o grande sabedor, como o condutor de massas acéfalas, o que ele produz é o vazio do saber pelo silêncio do desejo. Diferentemente do passado, que estabeleceu referências externas e transcendentes, hoje nossas referências são mais terrenas, por isso, mais circunstanciais e provisórias. Ainda assim, devem ser sempre evocadas, para que alunos sejam provocados a estabelecerem as suas próprias, a manterem-se curiosos, a compreender e experimentar.
Escólio: Cristianne Spirandeli Marques e Paula Gonçalves
A SUBJETIVIDADE DOCENTE EM TEMPOS DE CRISE DE AUTORIDADE de Marcelo Ricardo Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Este trabalho foi apresentado no IX Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional em julho de 2009 na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo (capital).
Nenhum comentário:
Postar um comentário