terça-feira, 27 de setembro de 2011

O INCONSCIENTE



Os artigos sobre Metapsicologia são considerados as mais importantes produções teóricas de Freud, constituindo assim um salto epistemológico a cerca da noção da psique humana, rompendo com a consciência onisciente e revelando a complexa condição produtora da consciência humana, assim o ensaio sobre “O Inconsciente” ocupa lugar funda-mental à presente superação, e compreensão do psiquismo.
Para Freud o interesse à suposição do Inconsciente era “prático”, pois assim permitia “explicar” e “descrever” a grande variedade de fenômenos com que se deparava. Como neurofisiologista – pelo método neurológico de descrição dos fenômenos psicopatológicos – teve que se haver e tentava-se dar conta das estranhezas que fugia à compreensão. Dizia ele que “restringir os fatos mentais aos que são conscientes e entremeá-los de fatos puramente ‘físicos e neurais’ rompe as ‘continuidades psíquicas’ introduzindo lacunas incompreensíveis na cadeia dos fenômenos observados”. Entre tanto ainda pelo método Freud escreveu “Projeto para uma Psicologia Científica”, onde descrevia e explicava uma gama de comportamento humano, normal e patológico, assim manipulou duas entidades, ‘o neurônio e a quantidade numa condição de fluxo’, energia física ou química não especificada. Então que com tempo e trabalho tal teoria foi apresentando-se insustentável e grosseira para com as sutilezas que surgiam à luz da análise psicológica dos processos mentais.
Logo em “A interpretação dos Sonhos” se estabelece definitivamente a idéia de processos mentais inconscientes, bem como o Inconsciente – “Ics”. O caminho a este portanto estava nas “resistências” que pelo trabalho analítico deviam “ser superadas” revelando a “idéia reprimida que representava o instinto”, reprimida de se tornar consciente, de vir à Consciência – “Cs”. Os processos mentais ou processos psíquicos vão muito além da consciência, assim se revelavam pelos sonhos, atos falhos, ou conteúdos latentes como o são as lembranças. Essas formas se constituem estados mentais latentes que se diferem da consciência justamente pela ausência desta, ou seja, são atos psíquicos que carecem de consciência.
Nesse sentido o Ics abrange por um lado atos psíquicos latentes, temporariamente inconscientes e por outro, processos reprimidos, impedidos de virem à consciência. O ato psíquico, portanto pode passar por duas fases: a princípio é inconsciente – Ics. – e se for rejeitado pela censura não passará para a segunda fase, ele foi “reprimido”, e permanecerá Ics. Passando pelo teste, passa também para a segunda fase, pertencendo ao segundo sistema, o Cs., tornando-se consciente ou latente à consciência. Para um conteúdo Ics. tornar-se Cs. não bastava a comunicação deste para o paciente, não provocaria qualquer mudança em sua condição mental, senão uma nova rejeição deste, assim era preciso de um movimento do próprio sujeito, a fim de que haja um declínio das resistências.
Até o momento a Psicanálise foi se diferenciando da ‘psicologia da consciência e descritiva’, devido principalmente o seu conceito Dinâmico dos processos mentais, levando em conta também a Topografia psíquica, apresentada pelos sistemas Inconsciente – Ics., e Consciente – Cs.
Logo a investigação leva a novas questões, como a dos impulsos instintuais, emoções e sentimentos inconscientes. E nesse caminho entendia Freud que um instinto nunca seria Cs. e sim sua representação, a idéia que o representa. Sem “idéia” ou “estado afetivo” não se conhece o instinto, mesmo no Ics. um instinto registra-se por uma representação ideacional. Sentimento, emoções e afetos inconscientes são representações. Destes somos côncios, mas não de suas idéias, ou seja, do afeto carregado à idéia. Este seu representante nunca foi Ics., a idéia é que sofreu repressão. A repressão tenta a todo custo suprimir o desenvolvimento dos afetos.
Os afetos e as emoções são processos de descarga, que manifestam-se pelo que percebe-se como sentimentos; já as idéias são catexias, basicamente traços de memória. O controle do Cs. sobre o desenvolvimento dos afetos é impotente, inserto, essa luta é constante entre o Cs. e Ics. Dessa forma o afeto como representação de uma idéia pode desenvolver-se ao Cs. por via de outra idéia substituta assumindo sua forma, ou seja, sua natureza determinará o caráter qualitativo do afeto, o que pode ser visto na ansiedade patológica, por exemplo.  
A repressão ao romper idéia de afeto faz com que tomem caminhos diferentes de desenvolvimento. A transição do Ics. para o Cs. não se “processa pela efetuação de um novo registro, mas pela modificação em seu estado, uma alteração em sua catexia”. Por este movimento empreendem-se vários mecanismos que atuam entre os dois sistemas, ou seja, no pré-consciente – Pcs. – protegendo-se da pressão que sofre da idéia inconsciente, demandando para tanto um dispêndio de energia na medida em que haja um aumento da excitação instintual desta idéia. Assim constitui-se o terceiro ponto de vista sobre o aparelho psíquico, o econômico, considerando as vicissitudes de quantidades de excitação, as intensidades e movimentos das catexias, aqui substituída por Libido, investida em uma idéia.
O Ics. é rechaçado pelas censuras do Pcs., mas seus “derivados” podem “contornar” a censura “atingindo um alto grau de organização, alcançando certa intensidade de catexia no Pcs.”, assim dependendo da intensidade pode tentar tornar-se conscientes, superando novas censuras, agora do Cs. que os reconhecem derivados do Ics.
Neste caminho, a experiência clínica e a elaboração teórica sobre casos psicopatológicos e de neuroses de transferência permitiu a Freud evidenciar as formas que tomam os desdobramentos dos conteúdos Ics instintuais e seus afetos na dinâmica dos processos mentais, e suas vicissitudes na tentativa de se tornarem conscientes pela condição, excitação e satisfação da idéia/objeto investido. Dessa forma, via-se que “derivados do Ics. tornam-se conscientes na qualidade de formações e sintomas substitutivos”, distorcidos pela censura. “O Ics. contém as catexias da coisa dos objetos”, logo o que conscientemente se constitui, de forma organizada nos sistemas Pcs. ou/e Cs. diz respeito à “hipercatexização” da “apresentação da coisa”, quer dizer que, “agora se vincula as apresentações das palavras que lhe correspondem”, ou seja, sem a palavra é apenas afetos, desconfortos, que se sentem, são produtos de uma idéia inconsciente censurada, a “palavra” permite um registro consciente sobre a “coisa”.
Assim, pela conceituação e legitimação clínica do Inconsciente a Psicanálise pode se constituir e sustentar-se epistemologicamente, e de forma autônoma e autêntica pôde a evidência um campo rico na produção de um saber sobre a complexa condição humana dos processos mentais e constituição da consciência, logo também terapêutico pela palavra que revelava o sentido produtor de sua forma.

FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 3. Rio de Janeiro: Imago, 1925, p. 165-222.

 Esta nota foi produzida por nosso  parceiro Josué.J. Oliveira