Os artigos sobre
Metapsicologia são considerados as mais importantes produções teóricas de
Freud, constituindo assim um salto epistemológico a cerca da noção da psique
humana, rompendo com a consciência onisciente e revelando a complexa condição
produtora da consciência humana, assim o ensaio sobre “O Inconsciente” ocupa lugar
funda-mental à presente superação, e compreensão do psiquismo.
Para Freud o
interesse à suposição do Inconsciente era “prático”, pois assim permitia
“explicar” e “descrever” a grande variedade de fenômenos com que se deparava.
Como neurofisiologista – pelo método neurológico de descrição dos fenômenos
psicopatológicos – teve que se haver e tentava-se dar conta das estranhezas que
fugia à compreensão. Dizia ele que “restringir os fatos mentais aos que são
conscientes e entremeá-los de fatos puramente ‘físicos e neurais’ rompe as
‘continuidades psíquicas’ introduzindo lacunas incompreensíveis na cadeia dos
fenômenos observados”. Entre tanto ainda pelo método Freud escreveu “Projeto
para uma Psicologia Científica”, onde descrevia e explicava uma gama de comportamento
humano, normal e patológico, assim manipulou duas entidades, ‘o neurônio e a
quantidade numa condição de fluxo’, energia
física ou química não especificada. Então que com tempo e trabalho tal
teoria foi apresentando-se insustentável e grosseira para com as sutilezas que
surgiam à luz da análise psicológica dos processos mentais.
Logo em “A
interpretação dos Sonhos” se estabelece definitivamente a idéia de processos
mentais inconscientes, bem como o Inconsciente – “Ics”. O caminho a este portanto
estava nas “resistências” que pelo trabalho analítico deviam “ser superadas”
revelando a “idéia reprimida que representava o instinto”, reprimida de se
tornar consciente, de vir à Consciência – “Cs”. Os processos mentais ou
processos psíquicos vão muito além da consciência, assim se revelavam pelos
sonhos, atos falhos, ou conteúdos latentes como o são as lembranças. Essas
formas se constituem estados mentais latentes que se diferem da consciência
justamente pela ausência desta, ou seja, são atos psíquicos que carecem de
consciência.
Nesse sentido o Ics
abrange por um lado atos psíquicos latentes, temporariamente inconscientes e
por outro, processos reprimidos, impedidos de virem à consciência. O ato
psíquico, portanto pode passar por duas fases: a princípio é inconsciente – Ics.
– e se for rejeitado pela censura não passará para a segunda fase, ele foi
“reprimido”, e permanecerá Ics. Passando pelo teste, passa também para a
segunda fase, pertencendo ao segundo sistema, o Cs., tornando-se consciente ou
latente à consciência. Para um conteúdo Ics. tornar-se Cs. não bastava a
comunicação deste para o paciente, não provocaria qualquer mudança em sua
condição mental, senão uma nova rejeição deste, assim era preciso de um
movimento do próprio sujeito, a fim de que haja um declínio das resistências.
Até o momento a
Psicanálise foi se diferenciando da ‘psicologia da consciência e descritiva’,
devido principalmente o seu conceito Dinâmico
dos processos mentais, levando em conta também a Topografia psíquica, apresentada pelos sistemas Inconsciente – Ics.,
e Consciente – Cs.
Logo a investigação
leva a novas questões, como a dos impulsos instintuais, emoções e sentimentos
inconscientes. E nesse caminho entendia Freud que um instinto nunca seria Cs. e
sim sua representação, a idéia que o representa. Sem “idéia” ou “estado
afetivo” não se conhece o instinto, mesmo no Ics. um instinto registra-se por
uma representação ideacional. Sentimento, emoções e afetos inconscientes são
representações. Destes somos côncios, mas não de suas idéias, ou seja, do afeto
carregado à idéia. Este seu representante nunca foi Ics., a idéia é que sofreu
repressão. A repressão tenta a todo custo suprimir o desenvolvimento dos
afetos.
Os afetos e as
emoções são processos de descarga, que manifestam-se pelo que percebe-se como
sentimentos; já as idéias são catexias, basicamente traços de memória. O
controle do Cs. sobre o desenvolvimento dos afetos é impotente, inserto, essa
luta é constante entre o Cs. e Ics. Dessa forma o afeto como representação de
uma idéia pode desenvolver-se ao Cs. por via de outra idéia substituta
assumindo sua forma, ou seja, sua natureza determinará o caráter qualitativo do
afeto, o que pode ser visto na ansiedade patológica, por exemplo.
A repressão ao
romper idéia de afeto faz com que tomem caminhos diferentes de desenvolvimento.
A transição do Ics. para o Cs. não se “processa pela efetuação de um novo
registro, mas pela modificação em seu estado, uma alteração em sua catexia”.
Por este movimento empreendem-se vários mecanismos que atuam entre os dois
sistemas, ou seja, no pré-consciente – Pcs. – protegendo-se da pressão que
sofre da idéia inconsciente, demandando para tanto um dispêndio de energia na
medida em que haja um aumento da excitação instintual desta idéia. Assim constitui-se
o terceiro ponto de vista sobre o aparelho psíquico, o econômico, considerando as vicissitudes de quantidades de
excitação, as intensidades e movimentos das catexias, aqui substituída por
Libido, investida em uma idéia.
O Ics. é rechaçado pelas
censuras do Pcs., mas seus “derivados” podem “contornar” a censura “atingindo
um alto grau de organização, alcançando certa intensidade de catexia no Pcs.”,
assim dependendo da intensidade pode tentar tornar-se conscientes, superando
novas censuras, agora do Cs. que os reconhecem derivados do Ics.
Neste caminho, a
experiência clínica e a elaboração teórica sobre casos psicopatológicos e de
neuroses de transferência permitiu a Freud evidenciar as formas que tomam os
desdobramentos dos conteúdos Ics instintuais e seus afetos na dinâmica dos
processos mentais, e suas vicissitudes na tentativa de se tornarem conscientes
pela condição, excitação e satisfação da idéia/objeto investido. Dessa forma, via-se
que “derivados do Ics. tornam-se conscientes na qualidade de formações e
sintomas substitutivos”, distorcidos pela censura. “O Ics. contém as catexias
da coisa dos objetos”, logo o que conscientemente se constitui, de forma
organizada nos sistemas Pcs. ou/e Cs. diz respeito à “hipercatexização” da
“apresentação da coisa”, quer dizer que, “agora se vincula as apresentações das
palavras que lhe correspondem”, ou seja, sem a palavra é apenas afetos,
desconfortos, que se sentem, são produtos de uma idéia inconsciente censurada,
a “palavra” permite um registro consciente sobre a “coisa”.
Assim, pela
conceituação e legitimação clínica do Inconsciente a Psicanálise pode se
constituir e sustentar-se epistemologicamente, e de forma autônoma e autêntica pôde
a evidência um campo rico na produção de um saber sobre a complexa condição
humana dos processos mentais e constituição da consciência, logo também
terapêutico pela palavra que revelava o sentido produtor de sua forma.
FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 3. Rio de Janeiro: Imago, 1925, p. 165-222.